quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Desalmados não merecem julgamento

A cada ano que passa, vou ficando mais velho e mais experiente. Com isso acredito não ficar mais impressionado com comportamentos, atitudes e reações das pessoas, afinal, a gente acaba vendo tanta coisa nessa vida que imaginamos não nos abalarmos mais com nada. Engano meu. Algumas atitudes ainda me impressionam, me chocam, me revoltam - independente do quão eu já tenha vivido, do quanto eu já tenha conhecido da natureza humana. Foi o caso da morte do "nosso filho", meu e de Débora minha mulher.

Spyrro não era um cãozinho comum. Era o "cara" mais simpático do prédio. Adorava crianças, não avançava em ninguém, quase não latia e parecia viver sorrindo. Era nossa alegria, nossa criança, afinal recebeu carinho, calor, proteção, alimento e educação, como faríamos com uma criança qualquer. E retribuía, na mesma intensidade, com sua alegria e carinho lambendo nossos rostos e trazendo seus brinquedos até nós. Mas essa esfuziante felicidade foi banida da terra pela rodas de um carro - carro de um morador do meu prédio. Impaciente talvez, não soube aguardar por meros segundos que eu pegasse Spyrro no colo para evitar qualquer problema. Mas não, acelerou e acabou com a vida do nosso filho. Desceu do carro como quem tivesse passado em cima de uma barata, me deu um tapinha nas costas como quem diz "Não liga não, era apenas um cachorro", e voltou inabalado para o veículo. Nem ouvi o que ele balbuciou naquela hora tamanha era minha consternação. Vi meu filho tremer e dar o último suspiro enquanto uma poça de sangue se formava ao seu redor. O que se espera nessa hora? No mínimo o conforto. Mas não, enquanto eu estava ali tentando acreditar naquilo que tinha acontecido, o "nobre" morador entrou no seu carro e foi guardá-lo. Nem ao menos voltou para me dar qualquer palavra de apoio. Talvez tenha ido lavar o sangue das rodas, o sangue que eu não consigo tirar da memória.

O relato é duro, eu sei. Relutei em publicar algo sobre a morte do Spyrro porque já tínhamos perdido a Lyla, sua companheira, menos de um mês antes, afogada na piscina. Admito minha culpa, pois se eu tivesse saido com ele na garagem preso à coleira, talvez isso nao teria acontecido. Me culpo por não ter tido precaução nenhuma e por acreditar demais que todas as pessoas do meu prédio tinham respeito por animais. Vi que nem todas. Não culpo o morador que matou nosso filhote porque seres como ele (o morador), pela sua insensibilidade e desprezo com o fato, não merecem qualquer tipo de julgamento que não o da sua própria consciência. Se ele consegue viver bem com isso, sem se incomodar pelas vozes que nós, seres-humanos racionais e sensíveis sempre ouvimos da nossa consciência, parabéns a ele.

Por isso digo que o que mais me incomodou, além da morte, foi a impassividade de um ser que se considera acima de animais como o Spyrro. Isso nem em séculos de reencarnação ele conseguiria. E por isso digo também que nem que eu viva duzentos anos não vou me acostumar nem achar normal determinadas atitudes. Considero isso uma virtude, não sermos complacentes com tudo que acontece à nossa volta. Devemos sempre excomungar o conformismo para evitar ser como pessoas iguais a esse senhor, algóz do nosso filhote - um desalmado. Isso deve ser muito ruim para quando chegarmos lá em cima.

4 comentários

Anônimo disse...

Gosto imensamente de animais. Tanto que tenho gatos, cachorro e etc.! Gosto da natureza, plantas. Cultivo algumas. Mas, voltando aos animais, meus bichinhos são meus amores. Respeito-os, trato-os bem, alimento-os adequadamente, faço-lhes carinho, companhia, cuido deles, dou colo e até lhes lasco beijinhos de carinho. Mas não os idolatro, ou referencio, como se filhos fossem. Ogg, sei que se algum deles morrer, vou sofrer e chorar. Mas jamais serão "meus filhos". São filhos da natureza, são companhia, presença silenciosa (nem sempre), são queridos e educados.
Percebo sua mágoa por vizinhos em vista desse acontecimento, bastante pela desconsideração. Talvez você esperasse um "Me perdoe, foi sem querer."
Pessoas sentem diferente. Ninguém faria mal a um pequeno animal por gosto, ou propositadamente. Apenas, considere, algumas pessoas não tem qualquer ligação especial com animais, então a eles parece que a morte - qualquer que seja - de um bichinho, não merece ser sentida grande coisa.
É uma questão de atribuir valores e pautar o direcionamento desses valores. Se filhos, filhos. Se animais, animais.
Acalme sua mágoa, acomode suas dores, refresque sua mente saudosa... adote outro bichinho.
Eu disse: outro BICHINHO!
Abraços

Ogg Ibrahim disse...

Ter apenas um, é diferente de ter vários. O amor fica concentrado naquele ali. Principalmente quando ele vem pra ocupar a lacuna gerada pela dificuldade de ter filhos de verdade. A dor passa, claro. A magoa também, mas expressá-las é sempre o melhor remédio. Obrigado pela força!

Anônimo disse...

Caríssimo OGG, primeiramente nossos sentimentos pela irreparável perda de Spyrro, grande figura que por poucos, mas intensos momentos, tivemos a felicidade de conviver!
Com certeza está em um lugar muito especial, agradecendo ao carinho que você e Débora dedicaram incondicionalmente a ele e que segundo o grande Mestre do espiritualismo, Chico Xavier, somente os "iluminados percebem a alma dos animais" !!!
Quanto ao "humanóide" responsável pela tragédia, deixemos que a vida, ou após esta, mostre a ele o quão inferiores somos diante daqueles que verdadeiramente amam!
Nosso forte abraço e força a vocês.
Múcio, Lú e fam.

Ana Corina disse...

Olá Oggi,

Fiquei sabendo do atropelamento fatal lendo a coluna da Luiza Gutierrez no Notícias do Dia de hoje. Mais tarde, conversando com o Paulo Alceu, voltei ao tema e lembrei do que tinha me decidido a fazer assim que li o jornal logo cedo e esqueci na correria: escrever a você e sua esposa lamentando as duas tragédias, o atropelamento e o afogamento.

Sou autora do blog "Mãe de Cachorro Também é Mãe" e da coluna Mãe de Cachorro no Notícias do Dia. A idéia de fazer o blog foi justamente defender o amor que eu e outros tantos mais (felizmente) sentem pelos bichos, principalmente por seus animais de estimação.

Não vejo problema algum em chamar meus cães de filhos.
A partir do momento em que a vida deles está sob minha responsabilidade e que suas vidas e bem-estar dependem de mim, qual o problema?
Chamá-los de filhos ofende a alguém? Porque os ofendidos devem sempre estudar a raiz do sentimento de ofensa. Se alguém me chama de algo que não sou, simplesmente ignoro e não tomo aquilo para mim.
Para meus cães tanto faz eu os chamar de "filho", "fruta" ou "peixe".
Ao chamá-los de filhos, faço apenas uma demonstração da importância deles na minha vida.

A meu ver, muito pior é ter filhos 'humanos' e não dar o que eles mais precisam: atenção, amor, educação e limites, itens raros neste mundo em que é muito mais fácil dar bens materiais.

Todas as vezes em que presencio cenas de crianças, adolescentes e adultos mimados, indolentes e mal educados, do tipinho "tenho o Rei na barriga", fico me perguntando como foram criados, que educação receberam (ou melhor, que obviamente deixaram de receber) etc.
Quando vejo crianças tratadas como meras bonecas e joguetes, fica mais claro ainda que muita, mas muita gente mesmo, simplesmente não nasceu para ser pai e mãe e não deveria ter tido filho algum.

Fazer filho e botar no mundo é muito fácil. Fazer com que sejam verdadeiros humanos, pessoas que farão a diferença e contribuirão para a evolução da sociedade é que são elas.

Que o diga o psicopata que atropelou teu cão. Porque esta é a definição dos psicopatas: pessoas incapazes de sentir remorsos ou culpa.

Sou mãe de cachorro, sim! Com muito orgulho e com a certeza mais do que absoluta de que os meus filhos, com toda a irracionalidade que lhes é inerente, ainda assim são mais carinhosos e amorosos do que muito pai e mãe por aí...

Grande abraço e, querendo adotar um animalzinho, estou às ordens. Graças aos 'racionais' humanos, há inúmeros animais maravilhosos precisando de um lar após terem sido covardemente abandonados por motivos tão idiotas quanto o de não serem mais a raça "da moda".

PS: Permita-me discordar de quem acima escreveu "Ninguém faria mal a um pequeno animal por gosto, ou propositadamente." Infelizmente, todos os dias há milhares de animais sofrendo maus-tratos propositadamente, da mesma maneira que há milhares de crianças sendo abusadas sexual e/ou psicologicamente, quando não estão sendo tão surradas e maltratadas quanto cães e gatos. Meu Deus, o mundo é um sem fim de notícias de maldades propositais praticadas por puro gosto (sádico, obviamente).

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