segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A religião acima do direito constitucional

Semana passada estive na zona sul da cidade, bairro do Grajaú. Era uma casa de dois cômodos somando menos de 15 metros quadrados, no meio de um amontoado de casebres e barracos. Ali moram Dona Betânia e seus OITO FILHOS. Todos amontoados em dois beliches e uma pequena cama de casal que ficam no cômodo maior. O menor é a cozinha. O último filho, o nono, morreu três anos atrás, poucos meses depois de nascer. Ouvir de dona Betânia que ela se arrepende de tantos filhos, dói na alma. Mas dói mais ainda ver a situação em que todos vivem. Ela teria tido apenas três, mas como as pílulas falharam (talvez ela não tenha tomado direito) e ela há doze anos luta para fazer a laqueadura sem conseguir, teve de arcar com os outros cinco.

Mas não consegue fazer a laqueadura porque, se todas as unidades do SUS são obrigadas a realizar esse procedimento? Porque dona Betânia só tem acesso a únidades de saúde administradas por instituições católicas. E como a igreja é contra os métodos contraceptivos...

Assim como dona Betânia existem centenas, talvez milhares de mulheres nesse país para quem o planejamento familiar é restrito por questões religiosas. Dona Betânia é católica, frequenta a missa todos os domingos. Mas não consegue fazer uma simples laqueadura porque sua religião é contra. Então, dona Betânia, nos seus 34 anos não teve alternativa a não ser mandar o marido ir morar em outro lugar, longe da tentação de mais uma relação que lhe pode trazer a décima gravidez.

Não sou contra a religião católica. A própósito, minha mãe era uma beata de igreja. Frequentei grupo de jovens, fiz catecismo, primeira comunhão e fui crismado. Acho tudo isso uma tremenda besteira, mas respeito. Só não vou impor a mesma coisa aos meus filhos. Agora, é difícil aceitar que por questões religiosas Dona Betânia, Dona Eliene, Dona Wanderlúcia e outras que entrevistamos não tenham direito de se previnir contra uma gravidez indesejada.

Recentemente publiquei aqui um acordo que o governo brasileiro fechou às escuras com o Vaticano para obrigar o ensino religioso católico nas escolas. Acho que, em mais esse caso, a religião está sendo colocada acima de direitos que a própria constituição estabeleceu para os cidadãos. Se continuar assim, ser dessa ou daquela religião poderá ser determinante para se ter ou não a liberdade de expressão que tantos séculos lutamos para conquistar.

Ser contra o uso da camisinha e permitir que as pessoas se contaminem com AIDS é correto? Impedir laqueaduras mas permitir que um número cada vez maior de crianças cresça em condições sob-humanas é aceitável? Acredito que não era a real intenção de Deus!

Veja aqui reportagem exibida no Domingo Espetacular.

2 comentários

Lima disse...

Este mundo que se violenta. É fácil entender, que diante das violências humanas impostas e auto-impostas apareçam números assim:
- Em 1850 a população humana mundial era de cerca de 1,5 bilhão de habitantes.
- Espera-se igual número em 2020 apenas dos que sofrerão de hipertensão arterial (pressão alta).

É o mundo que construímos: desrespeitoso, irreligioso (apesar de tantas religiões), insensato e violento.

Anônimo disse...

bastante bom, o artigo e o blog.
voltarei para ler mais atentamente.

abraços

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