Semana passada estive na zona sul da cidade, bairro do Grajaú. Era uma casa de dois cômodos somando menos de 15 metros quadrados, no meio de um amontoado de casebres e barracos. Ali moram Dona Betânia e seus OITO FILHOS. Todos amontoados em dois beliches e uma pequena cama de casal que ficam no cômodo maior. O menor é a cozinha. O último filho, o nono, morreu três anos atrás, poucos meses depois de nascer. Ouvir de dona Betânia que ela se arrepende de tantos filhos, dói na alma. Mas dói mais ainda ver a situação em que todos vivem. Ela teria tido apenas três, mas como as pílulas falharam (talvez ela não tenha tomado direito) e ela há doze anos luta para fazer a laqueadura sem conseguir, teve de arcar com os outros cinco.
Mas não consegue fazer a laqueadura porque, se todas as unidades do SUS são obrigadas a realizar esse procedimento? Porque dona Betânia só tem acesso a únidades de saúde administradas por instituições católicas. E como a igreja é contra os métodos contraceptivos...
Assim como dona Betânia existem centenas, talvez milhares de mulheres nesse país para quem o planejamento familiar é restrito por questões religiosas. Dona Betânia é católica, frequenta a missa todos os domingos. Mas não consegue fazer uma simples laqueadura porque sua religião é contra. Então, dona Betânia, nos seus 34 anos não teve alternativa a não ser mandar o marido ir morar em outro lugar, longe da tentação de mais uma relação que lhe pode trazer a décima gravidez.
Não sou contra a religião católica. A própósito, minha mãe era uma beata de igreja. Frequentei grupo de jovens, fiz catecismo, primeira comunhão e fui crismado. Acho tudo isso uma tremenda besteira, mas respeito. Só não vou impor a mesma coisa aos meus filhos. Agora, é difícil aceitar que por questões religiosas Dona Betânia, Dona Eliene, Dona Wanderlúcia e outras que entrevistamos não tenham direito de se previnir contra uma gravidez indesejada.
Recentemente publiquei aqui um acordo que o governo brasileiro fechou às escuras com o Vaticano para obrigar o ensino religioso católico nas escolas. Acho que, em mais esse caso, a religião está sendo colocada acima de direitos que a própria constituição estabeleceu para os cidadãos. Se continuar assim, ser dessa ou daquela religião poderá ser determinante para se ter ou não a liberdade de expressão que tantos séculos lutamos para conquistar.
Ser contra o uso da camisinha e permitir que as pessoas se contaminem com AIDS é correto? Impedir laqueaduras mas permitir que um número cada vez maior de crianças cresça em condições sob-humanas é aceitável? Acredito que não era a real intenção de Deus!
Veja aqui reportagem exibida no Domingo Espetacular.
Gilmar e a sombra do golpe e do terror
Há 19 horas
2 comentários
Este mundo que se violenta. É fácil entender, que diante das violências humanas impostas e auto-impostas apareçam números assim:
- Em 1850 a população humana mundial era de cerca de 1,5 bilhão de habitantes.
- Espera-se igual número em 2020 apenas dos que sofrerão de hipertensão arterial (pressão alta).
É o mundo que construímos: desrespeitoso, irreligioso (apesar de tantas religiões), insensato e violento.
bastante bom, o artigo e o blog.
voltarei para ler mais atentamente.
abraços