O Borba é um cara vivido. É o porteiro do meu prédio. Um dos poucos que ainda torce pra Portuguesa, mas tem o Arapiraca no coração. Deve ter uns 60 anos, mas pelas histórias que me conta, parece que tem uns 150. É claro que boa parte disso se deve a uma imaginação fértil desenvolvida nos momentos de solidão dentro da guarita. Mas o Borba lê muito! Mais que eu até. De atlas à bula de remédio. E sabe de tudo também. Nada que acontece nesse mundo escapa aos comentários ácidos do Borba que, em sua simplicidade nordestina, tem uma sabedoria de dar inveja. E muitas vezes ele me desconcerta.
- Doutô, não conseguiram tapar aquele buraco que cospe óleo no fundo do mar, né?
- É Borba, não tão conseguindo não.
- Será que não é de propósito?
- Como assim Borba?
- Pensa! Ta vazando muito né?
- É.
- E se perdê tudo aquilo, pode faltá em algum lugar, né?
- De certa forma sim, Borba.
- Se faltá o preço não pode subir? Então pra que tampá aquele buraco tão cedo?
E o Borba, na sua singela sapiência me tirou umas duas horas de sono por ficar pensando nisso. Mas dia após dia o Borba me surpreende. Outro dia ele me chamou na garagem:
- Doutô, o senhor viu que falaram mal do pograma que o senhor faz nos domingo?
- Não vi não, Borba. O que foi?
- Ah, uma dessas muié que critica televisão. Disse que o pograma não tinha nada de espetacular, só o nome. E ainda falô que o quadro do senhor, aquele que bota medo na gente, não assusta nem criança de berço.
- Ah Borba, eu nem ligo pra isso. É gente que não tem assunto.
- Mas sabe o que eu descobri?
- Hã...
- Que ela é muié dum figurão da Grobo.
- Ah tá!
- Ta expricado falá mal, né?
- Tem razão Borba.
- Mas me diz uma coisa.
- Fala.
- Ela trabáia em televisão? Ou já trabaiô?
- Acho que não Borba.
- Então comé qui ela pode criticá televisão se não sabe direito como funciona lá dentro?
- Ah, sei lá Borba, cada um sabe o que faz. Ou pelo menos acha que sabe.
- Tem ôtra: ela falou mal do pograma porque a televisão do marido dela perdeu pro cêis no domingo naquela coisa de audiênça?
- É... pode ser.
- Ô gentinha despeitada, né doutô?
É... o Borba tem muito a ensinar pra muita gente!
Logo logo publico mais histórias e estórias do Borba.
Aroeira e o unicórnio indiciado
Há 9 horas
1 comentário
Ah, que legal. Sentia falta dos seus textos lá no R7, e não sabia da existência desse blog aqui. Já adicionei aos meus favoritos.
Olha, o Borba é meu conterrâneo - se é que ele tem o ASA no coração por ser arapiraquense. hehehehehe.. tem gente que torce pelo ASA só para ser contra os da capital...
Ogg, já experimentou perguntar a idade do Borba? Você avaliou uns 60, mas outro dia atendi um senhor de um povoado perdido nos cafundós de Mata Grande (sertão de Alagoas). Dei fácil não menos que 50 anos para ele, mas ele ainda ia fazer 38. Não tem quem diga.
Flávia Mendonça - Maceió/AL